A estreia de A Travessia, no passado dia 27 de janeiro, na RTP1, representou um marco na ficção portuguesa ao trazer para o horário nobre a história de dois dos maiores pioneiros da aviação nacional, Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Sob a realização de Fernando Vendrell, a série mergulha na travessia aérea transatlântica de 1922, um feito que revolucionou a navegação aérea e colocou Portugal na vanguarda da inovação científica.
Desde logo, a série destaca-se pelo seu caráter ambicioso. A produção de época é um dos maiores desafios na ficção televisiva, não apenas pelo custo elevado, mas também pelo rigor necessário para recriar com autenticidade a atmosfera da época. A Travessia conseguiu, com um elenco de luxo liderado por Gonçalo Waddington e Miguel Damião, trazer ao pequeno ecrã uma narrativa cativante que alia aventura, ciência e uma forte componente histórica.
Num país onde a memória histórica nem sempre é valorizada como deveria, esta série surge como uma oportunidade única para dar a conhecer a coragem e determinação destes heróis portugueses. Afinal, quantos conhecem verdadeiramente os detalhes desta façanha para além de nomes de ruas e estátuas? A Travessia é mais do que uma série, é uma restituição de um capítulo fundamental da nossa identidade nacional.
Uma Audiência que Merecia Melhor Sorte
Apesar do entusiasmo gerado, os números da estreia indicam que A Travessia não conseguiu captar uma fatia significativa do público televisivo. Com uma audiência média de 4,9% de rating e 9,3% de share, a série ficou em terceiro lugar no horário, atrás da concorrência. No seu melhor momento, chegou aos 6,7% de rating e 12,8% de share, mas estes valores, embora respeitáveis para um projeto de nicho, mostram a dificuldade da RTP em competir diretamente com os formatos populares das privadas.
Mas será que A Travessia foi promovida com a força necessária? O horário é o mais adequado para este tipo de conteúdos? Numa era de consumo digital, talvez a aposta devesse ter sido reforçada no RTP Play, promovendo um lançamento simultâneo para captar um público mais jovem e interessado em conteúdos históricos.
O Peso da Decisão Editorial
Com apenas seis episódios, A Travessia deixa a sensação de que merecia mais tempo para explorar a grandiosidade da sua narrativa. Como o próprio realizador admitiu, reduzir um projeto tão vasto e rico a um número limitado de episódios foi uma decisão difícil. A RTP optou por um formato mais condensado, o que, por um lado, mantém o ritmo acelerado e evita dispersões narrativas, mas, por outro, pode deixar de fora nuances importantes da história e das personagens.
A série, no entanto, cumpre o seu papel ao trazer ao ecrã uma história que devia estar mais presente na nossa cultura popular. Para os que quiserem saber mais, A Travessia poderá ser um ponto de partida para uma redescoberta desta epopeia, quer através de livros, documentários ou até visitas ao Museu de Marinha, onde está exposto o hidroavião que completou a viagem histórica.
A Travessia é uma obra que merece ser vista e valorizada. A RTP arriscou ao trazer para o ecrã um capítulo fundamental da história portuguesa, com uma produção cuidada e um elenco talentoso. No entanto, a resposta do público revela os desafios que a ficção nacional ainda enfrenta para competir com formatos mais comerciais.
A série pode não ter conquistado as audiências em larga escala, mas cumpre um papel essencial na preservação da memória coletiva. Que este seja apenas o começo de um esforço maior para dar visibilidade às histórias que moldaram Portugal e que, tantas vezes, ficam esquecidas nas páginas dos livros de História.